A “fonte milagrosa” da quinta ficara resguardada no seu silêncio subterrâneo, em paredes rochosas e frescas. Agora, raramente era visitada. Nenhuma alma deste mundo bebia do seu líquido, tocava no seu granito ou percorria as suas lajes. (...) mas Eva sentiu... sentiu aquela necessidade, como um chamamento. Esquecera os dias em que ali ficara aprisionada. Agora sentia que deveria levar a sua menina e dá-la a conhecer àquele lugar mágico.
Desceram os degraus com cautela, embora Diara já soubesse andar, ainda tinha um passinho titubeante e os degraus eram altos demais para as suas pequenas pernas. Eva levou-a ao colo. Ao entrar no acesso à câmara onde estava a fonte, estancou à entrada. Ao sentir o odor da humidade e o som da água foi levada momentaneamente para o tempo em que estivera ali fechada. Avançou lentamente, acendeu a lanterna, sentiu um arrepio e seguidamente o perfume adocicado de flores. Estremeceu e encostou a filha mais ao seu peito. A pequenina estendendo a mão para a fonte pediu para beber. Ela encaminhou-se e pondo a mão em concha deu água a Diara que a sorveu satisfeita dizendo:
− Mamã, é “fesquinha”! – Eva sorriu ao ouvir o eco da voz da criança. Bebeu também um pouco e sentiu o líquido frio a percorrer a sua garganta.
Pousou-a no chão e a pequena, ligeira, dirigiu-se à porta com as pedras talhadas e tocou nos símbolos representados. Eva sentiu um aperto no peito, esta sensação já a acompanhava há bastante tempo, tinha dificuldade em respirar. Um murmurar junto ao ouvido fê-la sentir-se tonta, encostou-se à parede, cerrou os olhos e fez por concentrar-se nos batimentos cardíacos, tentou respirar fundo, mas doía-lhe demais! Ajoelhou-se e a pequenina ao vê-la assim foi ao seu encontro e colocou as pequenas mãozinhas na sua cabeça e disse-lhe:
− “Ponto”, já passou! – e abraçou a mãe.
Eva levantou-se com dificuldade, decidida a completar o que ali fora fazer. Tirou do bolso uma pequena vela e acendeu-a, colocando-a junto à fonte. Deu a mão a Diara e dirigiram-se à saída, olhou para trás e pareceu-lhe ver uma figura feminina de forma indefinida, talvez fosse o fumo da vela, pensou, e saiu apressadamente com a criança.
Excerto do romance Aqua Mater - Mãe d'Água por Olga Cardoso Pinto
Sinopse
O Mundo como o conhecemos, acabou.
Num tempo em que Água Potável está a desaparecer e as graves alterações climáticas trazem à Humanidade o perigo da sua própria extinção, há uma nova ordem com um Governo Mundial, as populações são monitorizadas, o paradigma da civilização é posto em causa... será que é possível ao Amor prevalecer?
Um romance de amor e sobrevivência, onde a Vila é um oásis num mundo em convulsão. Quando a água escasseia, a Vila parece florescer com a sua abundância... como é isto possível? Será que há um segredo muito bem guardado?
Eva, a personagem central deste enredo, deixa-nos entrar na sua família e leva-nos numa estória contada numa cadência que se vai adensando até um final inesperado.