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A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

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A mensagem

29.12.20, Olga Cardoso Pinto

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No cimo do caminho estava ela. Envolta na capa de lã, sem um vislumbre de pele ou cabelo. O negrume era a sua cor, envolvendo-a como uma aureola. Estaria assim a sua alma?
A morrinha caia sem cessar há muitos dias, toda a aldeia e prado estavam cobertas por ela e pela neblina que teimava em deixar-se ficar. No alto das serras o gado pastava satisfeito com o descanso, nem viva ’alma se ouvia. Só ela. Caminhara pelo caminho ligeiramente inclinado. Os sons dos seus pequenos passos, sobre o cascalho das pedras, ecoaram de mansinho. Parou no alto sob o carvalho e aguardou que ele chegasse, impávida e sem se mexer tal como uma estátua.
Ele subiu a ladeira, vinha cansado e encharcado pela água mansa que caia dos céus, aqueles céus altos que há muito queria chegar. À medida que dela se aproximava tentava encontrar o seu olhar. Como seriam aqueles olhos? Como seria a sua voz?
— Vens atrasado…
— Ainda é tempo. O ano ainda é o mesmo, senhora.
Ele encantou-se com a voz dela, mas os olhos não os via.
Ela retirou a mão direita sob a capa e com ela vinha um embrulho. Um atavio em linho envolvia algo que se queria proteger da chuva. Ele tomou-o nas mãos molhadas, tentando disfarçar o nervosismo que o tomava.
— Deverás lê-lo à meia-noite! Nem antes nem depois. Compreendes?
Ele assentiu que sim, mas ela insistiu para lhe ouvir a voz consentindo.
— Compreendo sim, senhora.
— Agora a mensagem é tua. Como és o novo ano, cairá sob os teus ombros o destino da aldeia. Deverás ser justo, clemente e compassivo. Mas, que nunca te falte o discernimento e o equilíbrio, porque isto de viver entre os Homens não é fácil e nem te será leve a pena.
Ele elevou para ela o rosto jovem e vislumbrou-lhe o olhar, cintilante como uma estrela e encantador como o mar. Ela fora um ano de boas colheitas, de muitas festividades e de muitos nascimentos. Como seria ele? A mensagem estava entregue, seria lida nessa noite, na transição da hora que medeia o fim de um dia e o começo de outro. No culminar de um ciclo e o principiar de um novo. Ele seria um ano bom? Estremeceu arrepiado, seria do frio ou do invólucro da mensagem que acolheu no seu peito?

 

Foto: Aldeia de Brufe, Terras de Bouro

 

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