A receita mais original de um doce de Natal
Os nossos Contos de Natal 2021
Era uma vez na véspera de Natal…
Pela cozinha estava tudo desarrumado. Uma ligeira poalha espalhara-se pelo ar, depositando-se languidamente sobre as bancadas, armários e fogão. O lava-loiça abarrotava de utensílios sujos. Taças, talheres e panos. Pela mesa, espalhadas como uma orquestra desafinada, jaziam umas tombadas outras direitas, as mais variadas formas as quais esquecera a sua existência. Um caos! Um horror…e bem junto à banca, encarrapitado no banco - ei-lo! O autor, o conquistador da cozinha que dela se assenhorara e fizera dela o seu troféu! O pirralho que ainda há pouco se revirava dentro de mim, escouceando-me, qual potro, no meu ventre, levando-me à loucura com tanto peso e cansaço.
A taça, quase maior que ele, transbordava do que parecia ser massa, cobrindo-lhe como luvas as papudas mãozitas, a roupa, o cabelo e o rosto rosado. Ao sentir-me entrar, revirou aqueles enormes olhos, embelezados pelas longas pestanas e de sorriso de orelha a orelha, disse:
— Mamã estou a fazer um doce!
Aproximei-me ligeiramente repugnada por tanta bagunça e por aquele ser pegajoso que já se colava à bancada. No entanto, não lhe resisti - a ele, ao sorriso e àquele olhar que me fazia sentir a entidade mais preciosa do mundo.
— Ai estás!? E como sabias fazê-lo?
— Foi de ver-te fazer. Aprendi a fazer o bolo para ti! Vamos pô-lo no forno?
Assenti que sim, pensando que seria um desaire. Como poderia uma criança de cinco anos fazer um doce, um bolo só de ver e ajudar a mãe?
Por sua insistência ficámos ambos sentados no chão, em frente ao forno a ver o bolo crescer, sim a farinha já tinha fermento, por sorte! Foi um tempo que achei que seria monótono, mas depois senti que fora uma bênção, aqueles quarenta e cinco minutos ao lado do meu filho a ouvi-lo falar de culinária. A culinária vista por uma criança, os doces que gostava de ver fazer e que jurava que os faria ainda melhor! Tentei mentalizá-lo que o bolo talvez não ficasse como eu o fazia, porém, o rapaz achava que seria tão delicioso como o meu. Deixei-o pensar assim.
Estava toda a família sentada à mesa, impecavelmente decorada e com as melhores iguarias natalícias. Olhei de soslaio, a um canto discreto do aparador estava o bolo tosco e coberto de chocolate, simples sem grande brilhantismo para aquela mesa.
Depois da refeição colocaram-se os doces. As rabanadas luzidias e perfumadas de canela, o bolo-rei colorido e tentador, o tronco de Natal e tantos outros, ricos visualmente e de sabor… e no meio da mesa o bolo de chocolate! A dominar a mesa de Natal impecavelmente decorada e aprimorada de irrepreensíveis doçarias.
Todos se entreolharam pela dominância do parente pobre e desajeitado.
Sentei-me, ligeiramente envergonhada. Pouco depois senti a manga ser repuxada e olhei. A meu lado estava o meu filho com um prato e a fatia do seu bolo.
— Toma mamã. Quero que sejas a primeira a provar o meu bolo!
Provei conformada, para não lhe fazer a desfeita e qual não foi a minha surpresa…o bolo até era bom!
— Sabe bem, mamã?
Todos estavam em suspenso aguardando a minha resposta. Engoli saboreando e respondi:
— Sabe sim, meu querido…
E ele tornou, sempre coladinho a mim, sentindo-lhe o calor e o cheiro do cabelo e do hálito infantil:
— Sabe a quê?
— Sabe a ti. Sabe a amor! — abracei-o intensamente, pois aquele era o melhor doce de Natal. Esta era sem dúvida a melhor receita original do doce de Natal!
Este conto, hoje republicado, foi escrito no ano de 2020, como gosto muito dele decidi participar no desafio da Isabel, do blog Pessoas e Coisas da Vida, deste ano de Os Nossos Contos de Natal de 2021. A Isabel é a "Mãe" desta azáfama de escrita natalícia que se repete, tal como em anos anteriores, resultado: um livro de Contos de Natal recentemente publicado, como podem ver aqui.
Um dia feliz com Leituras!