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A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

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Escrever em ficção a História

09.05.22, Olga Cardoso Pinto

Mosteiro de Leça do Balio.jpg

«O velho templo de S. Salvador de Leza, no lugar de Recaredi, estava parcimoniosamente iluminado, as velas dos candelabros animavam o Cristo pregado na imensa cruz de madeira. As feições do Filho de Deus pareciam ganhar vida, o bruxulear das chamas das velas emprestavam luz e sombra ao rosto rígido talhado no lenho. Martinho tinha o olhar preso na imagem, como encantado, contemplava absorto tentando entender se Cristo lhe falaria. Talvez as horas de jejum e o completo silêncio estivessem a pregar partidas à sua mente... decidiu ajoelhar-se novamente. Uma dor trespassou-lhe o estômago, pegou no cântaro de barro e bebeu um pouco de água, sentiu-se mais aliviado e orou.
A velada de armas iniciara-se quando o sol se pôs. O jovem entrara solenemente no templo, despedira-se da mãe e do senhor seu mestre, ficando só. O jovem encaminhou-se para a capela e desembainhou a espada e colocou-a sobre o altar. Seguidamente, ajoelhou-se e rezou, depois recebeu das mãos do prior do mosteiro as sagradas escrituras das quais teria de ler e meditar ao longo da noite.
As horas iam passando, o jovem sentia-se fraquejar, tentou suplantar o mal-estar durante algum tempo, mas envolvido pela náusea do jejum, talvez pelo cansaço também, foi perdendo a noção da realidade. Sentiu-se levitar, o corpo leve como uma pena e nas narinas a sensação do cheiro doce da alfazema, o perfume da sua amada, envolvendo-o. Sentiu-se desencarnar e desapegado de tudo, da sua boca saiu o som daquele nome que o atormentava dia e noite: “Nabica! Nabica!” − tentou chamar, mas ninguém lhe respondeu, apenas o aroma perdurou após despertar, tinha desfalecido e estava deitado sobre as lajes frias do chão.»

 

Excerto do romance "O Abraço do Freixo" por Olga Cardoso Pinto

 

Foto: Igreja de Santa Maria de Leça do Balio, Leça do Balio, no concelho de Matosinhos, distrito do Porto, integrava o antigo Mosteiro. Edificado junto ao Rio Leça e orlado por frondosa floresta, ficando a pouca distância da antiga estrada romana que, cruzando o Rio Leça na Ponte da Pedra, unia o Porto a Braga, o Mosteiro de Leça do Balio já existia no séc. X.

 

 

 

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