Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

Escrita inspirada

14.05.21, Olga Cardoso Pinto

lua cheia.jpg«Nabica voltou a acocorar-se e repetiu as fases para expulsar a criança. Tentou novamente e quando já estava prestes a sucumbir ao cansaço, a criança deixou o seu útero, mas nem um vagido ou grande choro se escutou.
Dulce pegou na enfezada criança, alva como a cal. Os minúsculos braços pendiam tal como o seu corpo sem vida, quase cabia só numa mão de pequeno que era.

Nabica recuperou as forças apercebendo-se que algo não estava bem. Ausinda trazia-lhe a primeira criança, já limpa e à espera de ser alimentada. O choro era constante, a jovem afastou-a querendo ver o recém-nascido que não chorava.
− Lamento, querida... − proferiu Ausinda.
− Não o leves! − ordenou a Dulce que embrulhava a criança morta no lençol do parto.
− Dá-mo. − Nabica, soluçando, pegou com ternura naquele pequeno ser que saíra das suas entranhas, e que junto do seu coração e do seu espírito vivera até aquela noite.
Desembrulhou o lençol, pegou na criança nua, branca e luminosa e encostou-a ao peito. Orou com fervor à mãe deusa, levou a criança junto à janela expondo-a à luz da lua cheia e ao fresco das noites de março, depois mergulhou o nado-morto na selha da água fria por três vezes, perante os rostos horrorizados das duas mulheres, sempre recintando orações, seguidamente cantou à deusa a oração da vida. A criança soltou um suspiro, como os náufragos que anseiam pelo ar para os seus pulmões e berrou tão alto acordando as cabras que mesmo ali ao lado da casa tinham curral.»

 

Excerto do romance "O Abraço do Freixo" por Olga Cardoso Pinto

 

Gosto de contar estórias, de as desfiar como a um novelo e elas assim ganham vida, mesmo as passadas.

 

24 comentários

Comentar post