Mistérios contados
"Quando a noite ia alta, todos dormiam, só os grilos aprimoravam os acordes. Passos suaves, seguidos de algo deslizante, entraram no quarto de Glória. Ela moveu-se na cama mudando de posição. Um pó quase invisível pairava no ar. Sobre o seu corpo relaxado, um vulto debruçou-se tocando-lhe no rosto, a menina mexeu-se sem, contudo, acordar. Seguidamente, o vulto saiu e entrou no quarto de Tobias. O menino estava deitado de barriga para cima, com um dos braços sobre a testa, a sua forma peculiar de dormir. Novamente o pó, agora soprado, bailava sobre a criança. A misteriosa figura acariciou-lhe o braço e ele sentindo as cócegas sorriu. A porta encostara-se com a saída do furtivo vulto. Tobias acordou e sentou-se na cama, sentindo um aroma conhecido, esfregou os olhos e ficou sentado mais um pouco, ainda naquele estado de assombro límbico entre o sonhar e o despertar. Nos lábios bailava-lhe a primeira palavra dita neste mundo, o nome do seu primeiro amor, da primeira mulher da sua vida: «Mãezinha?»."
Excerto do conto "O segredo da velha casa" por Olga Cardoso Pinto