Para Agustina
“O Porto é uma cidade do entardecer e uma presa nocturna. A sua tarde de Inverno, duma palidez que lentamente se tinge de roxo, em que o ar parece filtrar o trémulo dos sinos, o bater das asas das pombas que não se vêem e que se abrigam nas cornijas dos templos, essas tardes sem vento em que os pingos de chuva são trazidos das nuvens, não nos caem em cima, resvalam, voam, desaparecem, são perfeitas, cúmplices e importantes na nossa vida. Mas o escurecer de Verão, quando as luzes verdes de néon tardam a acender-se no seu esplendor progressivo, e certos becos têm ainda a tortuosa mansidão de velhos quintais, com a sentinela apagada das casas onde os vidros se foram partindo e esperam, nos seus andrajos de reboco solto, o último golpe urbano – no Verão, à noite, a cidade pode comunicar uma emoção maior, mais duradoira, mais quotidiana.”
In "O Manto" de Agustina Bessa-Luís