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A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

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Ponto a Ponto se une um Conto

Em Viagem... Dia 1

17.10.19, Olga Cardoso Pinto

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Olá a todos que responderam ao meu repto para leitura de contos aqui no blog, lançado na semana passada com o título "Ponto a Ponto se une um Conto" , que consiste em publicar excertos de contos escritos por mim todas as quintas-feiras.

Hoje inicio a publicação do conto "Em Viagem...", aguardo os vossos comentários e votos de boas leituras!

Um xi-

DIA 1


     Hoje sinto-me estranho. Na boca tenho um sabor amargo, quase ferroso, que não consigo explicar, mas confesso que ultimamente não me tenho sentindo bem.
     Aguardo pelo metro na plataforma dois. Olho quem me rodeia. Todos estão atarefados, preocupados com as horas que correm no mostrador dos relógios… também eu estou preocupado, irei com certeza chegar tarde ao trabalho! Raios! É sempre a mesma coisa todos os dias! Levantar com o horrível despertador. Comer sempre o mesmo pequeno-almoço a olhar insistentemente para as horas, malditas! Ganham asas e escapam-se por entre os raios de sol ou no pingar da chuva, consoante o clima.
     Lá entro (quase sempre) na mesma carruagem, sento-me no lugar do costume… ora cá estou eu! Mais um dia… o engraçado é que hoje (mesmo não me sentindo bem) há algo um pouco mais leve, não consigo descrever o que será… bem, devem ser manias de filósofo! O Guedes é quem tem razão, penso demais!
     A carruagem vai cheia, dou o lugar à grávida jovem e bonita. Gera uma vida dentro de si! Maravilhosa a sua condição, se o filho for desejado, claro está! Mas ela nem agradece … deixo-me ficar aqui ao pé da porta, aprecio a paisagem que se vai desenrolando lá fora. Está frio. O frio de março que embala as primeiras árvores a serem enfeitadas de flores! Que bonito! Nunca me deu para contemplar a paisagem. Trago sempre um livro comigo, mas hoje não o leio, não por não fazer a viagem sentado, pois leio até a fazer o pino, hoje não. Hoje contemplo a vida que se me depara pelo vidro embaciado do metro. Lá fora a vida corre lânguida e serena para a Natureza. Pássaros afoitos, esvoaçam para cada recanto, as flores que serão fruto em breve, as crianças que pela mão dos pais vão para as escolas… tão novinhas para o deambular desta vida!
     Tento fazer conversa (caso raro eu fazer isto), mas o jovem não me dá troco! Vai de auscultadores, talvez a ouvir a sua banda favorita. Parece-se com os meus alunos, sempre de phones, como eles dizem, e de telemóveis onde veem e ouvem os seus vídeos de música e de jogos! Também tive os meus gostos, embora fossem mais modestos e quase sempre relacionados com leitura!
     Ninguém faz conversa, de narizes metidos nos ecrãs dos dispositivos que nos conquistaram os dias, fizeram-se imprescindíveis. Confiamos-lhes os nossos gostos, fotos e até pensamentos e o controlo das nossas rotinas! Fizemos deles os nossos ditadores particulares! Bom, agora que vejo um lugar vou sentar-me, pois ainda demoro a chegar ao destino!
     A mulher que está ao meu lado lê um livro. Boa escolha! Também já o li, mas agora nem sei onde o deixei, talvez terei emprestado à Marta, a colega da escola, professora de matemática que gosta das letras! Tento fazer conversa sobre o livro, ela finge não me ouvir, não tem phones, logo consegue ouvir-me. Não faz mal, provavelmente não quer dar confiança ao chato deste desconhecido, que veste quase sempre a mesma roupa, corta o cabelo sempre do mesmo jeito e tem uma rotina entediante! O cão, que traz preso pela trela, não desvia o olhar e abana-me a cauda com energia! Bem, pelo menos o cão dá-me troco! Ela é atraente e talvez da minha idade. É pena não querer conversar, teria muito para lhe dizer… em relação ao livro, claro!
     Levanto os olhos e relanço-os pelos companheiros de viagem. Taciturnos, alheados e tristes. Terei também este ar? Este semblante de enfado pela vida ou pela viagem?

 

Continua

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