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A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

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Ponto a Ponto se une um Conto

O Outro Lado do Rio - 1º capítulo

31.10.19, Olga Cardoso Pinto

o outro lado do rio2 (2).jpg

 

Olá queridos Leitores e queridas Leitoras!

Hoje em festejos de halloween, convido-os à leitura do excerto de um conto bem ao jeito português para ler no aconchego da lareira, ao tomar o café, para o intervalo da manhã ou à hora de almoço!

A história desenrola-se em cenário inspirado numa pitoresca localidade minhota, onde recentemente o meu coração começou a ganhar raízes. Neste conto a protagonista é uma criança, num tema que me é tão querido pela sua inocência e imaginação.

Espero que gostem e expressem os vossos comentários, eu agradeço com carinho.

Bjs

O Outro Lado do Rio

 

    A menina tinha o nome da flor. Nome fresco, radioso, que rima com o sentimento amor, toda ele carinhoso. Nome pequeno, ajeitado, mimosinho de candura, tal como ela pequena, de mãozitas curiosas, olhos aguados de luz e rio, cabelos ondulantes a bordejarem à volta daquela pequena cabeça, onde viviam os sonhos e onde cresciam as histórias.

     Naquele dia frio e radioso, encoberto pela sombra da laranjeira em flor, a menina recebeu a notícia que lhe roeu o semblante luminoso, pintalgado de malandras sardas alaranjadas. Meteu-se nela mesma, até a alma vislumbrar, remexeu na memória fresca em busca dos últimos momentos em que passara com a avó!

— Por que têm de partir os velhinhos? Nessa viagem sem retorno? Dizem que foi para o céu! Mas acho que não, não é aí que ela está!

     E voltava a fechar-se nela, mais encerrada que uma cicatriz, impenetrável como a pequena caixa de cânfora da sua querida avó onde eram guardados os segredos, o arcano do quarto que dormia lânguido na velha cómoda. Foi para lá que a menina se guardou, longe dos olhares, das penas e dos choros, dos olhos compadecidos pela sua perda. Deitou-se na cama fofa, ainda impregnada pelos cheiros doces da anciã. Adormeceu e embalada pelo sonho feliz, partiu de mão dada com a idosa mulher que tantas vezes lhe cantara a melodia, envolvendo-a no regaço e no amor que lhe adoçava o ser.

     Quando acordou, reconfortada pela cálida ilusão, tomou a pequena caixa entre as mãos e abriu-a, sentiu um arrepio pelo corpo tenro sabendo ser transgressão, mas a avó disse-lhe no sonho que a abrisse, era dela a caixinha segredosa. O rosto espantou-se ao ver tão singelo objeto. Nascido natural, sem mão que o torneasse, tão perfeito, tão redondo, nem o mundo é assim! Pegou com cuidado extremoso a pedra rolada, de verde aguado tal como o seu olhar. Tomou-lhe o peso e afagou-a com meiguice, mirou-a com minúcia, rolou-a na palma da mão e finalmente cheirou-a! O odor a água, ao rio que lhe ajeitou a forma invadiu-lhe as narinas e despertou nela uma lembrança, que escondida bem fundo na memória queria esquivar-se a ver a luz do dia, ao ser obrigada pela incessante inspiração. Arrancada do seu esconderijo a lembrança surgiu como um lampejo! A menina recordou o que aquele odor impregnava! A avó contava-lhe muitas histórias sobre o rio, as lendas do lugar e as vidas que por lá passavam tal como o correr da água. No verão corre calma e serena, sem nunca se incomodar, no inverno alterada, afoita e insensível.

     Assim como o rio seu progenitor, o formoso seixo mantinha-se fresco nas mãos da criança fazendo esta querer ser bem pequenina e nele se enroscar, viver na memória onde a sua querida avó ainda a acariciava e lhe contava histórias, onde lhe tecia o lenço e fazia doces de figos. Refrescar-se nesse fresco odor, nadar nesse verde água que a chamava e lhe segredava algo que ela não entendia. Eram as saudades que a vinham visitar, atormentando-a no seu pequenino ser de criança, inocente e imaculado.

 

Continua

 

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