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A Cor da Escrita

Páginas onde a ilustração e o desenho mancham de cor as letras nascidas em prosa ou em verso!

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Ponto a Ponto se une um Conto

O Outro Lado do Rio - 3º episódio

14.11.19, Olga Cardoso Pinto

o outro lado do rio (3).jpg

Bom dia!

Amigos e amigas leitores que continuam a visitar este meu pequeno blog, compilador das minhas escritas, ilustrações e fotos, sejam bem vindos a mais uma quinta-feira de contos.

Espero que o episódio de hoje do conto "O outro lado do rio" seja merecedor das vossas leituras e comentários. Agradeço-vos a simpatia e  o carinho da vossa assiduidade.

Então sem mais delongas, tome o seu café ou chá ou outra bebida reconfortante, para enfrentar este dia frio, acompanhada de um docinho e leia o episódio de hoje.

Um beijo

 

 

     O tempo correu demorado para a rapariga que ansiava por notícias. Ouvia a cotovia pela alvorada, assomava à janela e a ave lá no alto insistia no seu voar ondulante rumo ao fim do céu, alegre e chilreante! Ela triste acalentava esperanças murchas, aguardava que por esses dias a cotovia trouxesse o desfecho dessa condição.

     As cabeleiras loiras, doiradas pelo sol de verão, eram cortadas sem desvelo e recolhidas nos fardos que iriam alimentar o gado. O suor escorria pelo rosto, descendo ligeiro pela curva do delgado pescoço, ela limpou a fronte e olhou o céu ao ouvir o canto melodioso da pequena ave.

     “Vem menina-moça, que te trago notícias! Vemmm!”

     A ave pousou na laranjeira, ansiosa pela frescura da sombra e pelo doce perfume da fruta. Estendeu as asas, compôs as penas e bocejou.

     “Que notícias trazes, cotovia?”

     A ave desviou o olhar, ansiosa por se refugiar no amplo céu, livre das tristezas humanas.

     “Lamento! Está do outro lado do rio! Teu irmão está esquecido! Levado pelo rio que lhe dissolveu o ser, lhe lavou a alma pura!”

     “Quero vê-lo, posso?”

     “Nada sei sobre isso! Pergunta à anciã, à Vó Velha! Ela é sábia dessas coisas! Adeus menina-mulher…e canta, canta todas as manhãs, gosto tanto de te ouvir, pareces também uma cotovia! Canta que os céus por ti se abrirão! Canta para que o rio de ti se lembre!”

     A jovem depôs a gadanha, enxugou o suado rosto trigueiro no avental e foi ligeira à morada da velha velhinha contadora de histórias.

     “Diz-me Vó, como posso falar com meu irmão? Está esquecido no rio, dissolvido pela correnteza, desacordado para a vida!”

     “Foi a cotovia que to disse? Escuta querida, é perigoso o que me pedes…”

     “Mas posso falar com ele? Posso? Posso saber como está? Despedir-me dele?”

     As mãos engelhadas, conhecedoras de muitas mestrias e sortilégios, pegaram nas jovens mãos, suaves, lisas e delgadas da menina-moça. A idosa mulher olhou-a nos olhos meigos e ansiosos para ouvirem as palavras que consolassem o seu pobre coração.

     “Poder podes, mas é perigoso! Podes não retornar e ficar nesse limbo, nem morta, nem viva, nem esquecida!”

     “Não me importo! Desejo muito falar com o meu irmão, despedir-me dele. Sofro e não sossego por deixá-lo ir sem um adeus, sem uma palavra de familiar carinho, sem lhe dizer que o amo para sempre, que todo o seu espírito se guarde em recato, em repouso sereno na eternidade.”

     “Vem! Vem para dentro…”

     As duas mulheres, a nova inexperiente, intensa, como uma flor fresca acabada de desabrochar; a velha sábia, vivida, gasta pela vida e pelos sentimentos francos ou destilados pelo tempo, entraram na decrépita casa e fechou-se a porta até à noite.

     Dentro da moradia fez-se quase breu, o sol do entardecer esgueirava-se teimoso pelas frinchas da janela e da carcomida porta, depositando os finos raios pelas traves do chão e alguns atrevidos alongavam-se pela parede como espreitando, curiosos, tentando saber o que ali se passava.

     A Vó Velha foi ao exíguo quarto de uma enxerga só e trazia envolvido pelas murchas mãos uma caixa pequenina, que quase era ocultada pelas pregas das engelhas.

     Com redobrado cuidado e em gestos afidalgados, abriu a pequenina tampa dessa mínima caixinha e retirou do seu interior algo que a rapariga não conseguiu ver.

     “Toma! Guarda-a junto do teu coração, numa noite de luar dorme com ela e ao alvorecer vai-te ao rio banhar! Quando chegares ao rio, já despida e com ela na mão, dizes três vezes cantando o nome do menino, assim os sortilégios virão!”

     A jovem em desconfiada curiosidade recebe nas suas delgadas mãos uma pedra, redondinha, bem polida, sem defeito, afaga-a temerosa e admira-a em silêncio. Depois, levantando os olhos de verde água para a avó e pergunta-lhe:

     “Um seixo!? É mágico?”

     “Sim! Um seixo do rio, dele nascido e talhado, sem defeitos. Agora vai, teus pais esperam-te, não lhes redobres as preocupações!”

     Quando a lua se engrandeceu no firmamento, grávida de luz e esplendor, a moça aconchegou o seixo junto aos seios e assim adormeceu em sonhos com o pequeno esquecido no rio.

 

Continua

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