Por este Douro
De ouro é o rio que nos corre nas veias, na pele e no coração. ADN da vida e casulo familiar. Descendo um pouco deste curso que banha a cidade cascata, de casario alcandorado e vidas em voo para o mar. Debruando a alegria e o calão, brotam enfeites de filigrana tecidas a ouro reluzente pelas mãos de ancestrais artesãos que do debuxo ao cadinho, do puxador à enchedeira, inflam de vida a arte nascida do ventre de Gondomar.
Nessas águas profundas, frias, de cor compacta onde o peixe ganha peso, soltam-se memórias de quem lá ficou, suspenso na juventude de uma braçada perdida, partindo candidamente nas asas de uma branca borboleta.
Correram nas tuas praias, junto aos barcos dos pescadores, pés mimosos e ligeiros, que em brincadeiras e apanhadas sonharam cruzar os mares, numa viagem com retorno marcado. Mãos calejadas fiaram o ticum para as redes abraçarem o sustento. Mãos pequenas ajudavam nas canseiras do trabalho, na linguagem gestual do afeto, do mimosear do tecido, da costura e do bordado.
De ouro são as vidas e os tempos de quem em ti se fez gente, respiraram o teu nevoeiro, banharam-se em ti, reforçando a tenacidade em vencer. Ver-te assim tão calmo, num belo dia de verão, suspende-se em mim a realidade e vem à tona da memória o quanto tenho de ti. Quantas estórias há para contar sobre a corrente, os fios de ouro que me ligam desde a génese familiar até ti.
Senhor Douro, rio imponente, divindade líquida, eloquente no correr e no estar, impiedoso manto que abraças e mergulhas no oceano, lavando memórias nesta circum-navegação das vidas.
Dedicado à minha querida Mãe e ao mestre Joaquim Oliveira, meu bisavô, artífice e ourives; naturais de Valbom, Gondomar.
